agosto 22, 2006

Embargo da soja 'amazônica', pantomima na floresta

Causou um certo rebuliço o anúncio conjunto, feito dia 25 passado, pela Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (ABIOVE) e a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (ANEC), de não comercializar, por dois anos, a soja da safra que será plantada a partir de outubro de 2006 em áreas que forem desflorestadas dentro do Bioma Amazônico.
Segundo a Abiove, a iniciativa tem como objetivo atender a restrições impostas por clientes estrangeiros e visa desestimular o plantio na região e cobrar do governo um maior monitoramento e controle sobre o uso da terra na área."O mercado está demandando ajustes do nosso produto. A demanda agora passa não só por viabilidade econômica do produto como pela parte ambiental, social", disse Carlo Lovatelli, presidente da entidade, explicando que a exigência já é feita na hora da compra por países como Holanda, Suíça, Inglaterra e Alemanha. [1]

O anúncio da Abiove revela, de fato, que seus associados encamparam o "acordão" das principais redes de supermercados da Europa, fabricantes de comida e redes de fast-food - entre elas o McDonalds – de firmar um compromisso de não comprar soja de origem ilegal da Amazônia Brasileira, como antecipou o jornal britânico The Guardian [2] . Com todas as letras, o Guardian afirma que o acordão decorreu das campanhas do Greenpeace e caterva contra a produção de soja "amazônica" e que as empresas não negociarão com as quatro gigantes (Cargill, ADM, Bunge e Amaggi) que dominam a produção no Brasil, a não ser que estas demonstrem que não estão vendendo soja colhida em áreas onde houve desmatamento ilegal.

Paulo Adário, do Greenpeace, se mostrou "surpreso" com o prazo de dois anos de embargo estipulado pela Abiove, mas, adiante, se contradiz ao afirmar que ficou acertado um compromisso verbal para rever a moratória em 2008, cujos termos dependeriam da implantação de medidas necessárias à fiscalização. "Vai ser preciso produzir mapas georreferenciados das fazendas na Amazônia para cruzar com dados de satélites", disse o ativista do Greenpeace. [3]

A grande "surpresa" causada pelo acordão era um segredo de polichinelo. No início de junho passado, já reportávamos que seria realizada uma reunião em Bruxelas, entre o Greenpeace e seis mega-empresas européias do setor alimentício, para negociar o boicote à compra de produtos que dependam da soja plantada na "Amazônia"; e mais, que a data havia sido cuidadosamente escolhida uma vez que todas as atenções estariam voltadas para os jogos da Copa. [4]

O acordão, nem de longe, chega a ameaçar a comercialização da soja brasileira uma vez que apenas 1,1 dos 22 milhões de hectares plantados com a oleaginosa se originam na área "contestada". O perigo reside no precedente e no inaceitável descaso demonstrado pelo governo brasileiro, que engoliu goela abaixo uma moratória altamente lesiva à soberania e aos interesses nacionais.

Veja-se que a estratégia do aparato ambientalista, que é abertamente respaldado financeira e politicamente por governos estrangeiros, principalmente europeus, é exigir um "selo verde" não apenas para a soja, mas para qualquer outro produto da região do Cerrado-Amazônia. O modelo é o famigerado selo FSC, criado e administrado pelas três grandes ONGs (WWF-Greenpeace-Friends of the Earth) para controlar a produção florestal brasileira. A metodologia para a sua implantação está eivada de lances dignos dos de Al Capone, com o WWF concebendo as diretrizes gerais e as tropas de choque do Greenpeace e caterva ameaçando as lojas varejistas na Europa (ver capítulo 6, "A indústria madeireira na alça de mira" do livro "Máfia Verde 2: ambientalismo, novo colonialismo").

As tratativas para o atual embargo da soja "amazônica" remontam a janeiro de 2004, no seminário "Produção Sustentável de soja: perspectivas para o futuro", realizado em Amsterdã, Holanda, promovido pelo WWF e outros. Na nota "As entranhas da campanha do WWF contra a soja brasileira", de 11/07/04, alertávamos:

O ponto central da campanha é a convencer os grandes importadores e bancos europeus – que financiam as importações - a exigirem uma espécie de "selo verde" para a soja brasileira, qual seja, que a mesma seja originada de áreas legalmente desmatadas antes de 31 de dezembro de 2003 e outros "critérios" estabelecidos pelas ONGs, como já mencionado em nota anterior. Assim, não surpreende que entre os participantes do seminário encontram-se representantes dos bancos ABN-AMRO (Armand van de Laar, Caspar Bijleveld, Monica Veric), ING (Daisy Wagenmaker) e Rabobank (Hans Ludo van Mierlo, Stephane Delodder), bem como da poderosa Unilever (Chris Dutilh). O engajamento do governo holandês no processo se verifica tanto com o financiamento para a realização do evento, ao qual enviou representantes (Herman Savenije, Jelle Blaauwbroek), como também com o conhecido apoio financeiro a ONGs como a Both Ends e outras que atuam no Brasil.

O modelo utilizado pelo WWF para as discussões e "convencimento" sobre o projeto soja é o que denomina como "Processo de Mesa Redonda", inaugurado em agosto de 2003 com a campanha similar visando o óleo de palma, quando reuniu na Malásia cerca de 205 participantes (dos quais 50% eram representantes de empresas) de 16 países. Quem apresentou o modelo foi Patrick Cooper, do WWF International, que dirige o programa Forest Conversion Initiative (Iniciativa Conversão de Florestas) cujo objetivo declarado é "Assegurar que florestas, mananciais, habitat de espécies-chave de elevado valor de preservação nas eco-regiões focadas não mais sejam ameaçadas pela expansão do óleo de palma e de soja".


Em paralelo, foi criada a chamada Articulação Soja-Brasil, conglomerado de ONGs capitaneadas pelo WWF para operacionalizar o esquema. Em janeiro passado, o coordenador da Articulação, Maurício Galinkin, ameaçou os produtores brasileiros ao declarar que o grupo de ONGs que formam a Articulação iriam aumentar a pressão junto aos compradores internacionais para que eles só negociem com produtores de soja brasileira que adotem a chamada certificação ambiental voluntária, conferida pelo grupo. Galinkin negou tratar-se de uma barreira, mas de um critério privado que serão adotados pelas grandes comercializadoras de soja. "Quem não quiser vender dentro destes critérios, que venda para outras", afirmou com arrogância. [5]

Contudo, ao definir "áreas desmatadas" no bioma Amazônia como fator determinante para embargar ou não a soja daí oriunda, os articuladores do acordão lançaram luz sobre o patético Código Florestal brasileiro que, há quase uma década, se encontra em um regime jurídico florestal provisório com desdobramentos jurídico-práticos incertos. O Código, atualmente regido pela famigerada Medida Provisória 2166, de 25 de agosto de 2001, caiu no limbo jurídico com a Emenda Constitucional 32 que redefiniu o papel e o período de vigência das MPs. Assim, de 2001 para cá, a MP 2166 vale como lei mesmo sem ter sido transformada em lei.

Em resumo, esse episódio do embargo da soja "amazônica" mais parece uma peça de teatro de pantomimas protagonizada por poderosos grupos internacionais com interesses próprios, com a participação decisiva de agentes operativos como o Greenpeace e caterva, habilmente encenada para uma platéia basbaque com sua performance. Enquanto isso, a Rodada de Doha afunda, o protecionismo aos produtores europeus e americanos prevalece e novas barreiras não-tarifárias, denominadas "socioambientais", são impostas aos países do antigo Terceiro Mundo.

Notas:
[1]"Grandes empresas não venderão grãos plantados em novas áreas desmatadas", Reuters, 25/07/06
[2]"Food giants to boycott illegal Amazon soya", The Guardian, 25/07/06
[3]"Embargo a avanço da soja amazônica é inócuo, diz ONG", Folha de São Paulo, 26/07/06[4]"A intolerável criminalização da soja "amazônica", Alerta Científico e Ambiental, 01/06/06[5]"ONGs ameaçam produtores de soja", Alerta Científico e Ambiental, 22/01/06

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